Como as grandes perdas podem se tornar aprendizados
Uma sucessão de acontecimentos trágicos nos últimos dias colocou os brasileiros diante de um sofrimento coletivo, uma mistura de indignação, frustração, angústia, desânimo.
Afinal, grandes tragédias suscitam umas das emoções mais básicas do ser humano: a tristeza, que pode nascer de um sentimento de perda por algo que não se pode ser substituir.
Desde muito cedo, somos estimulados a buscar a felicidade. De forma incessante. Evita-se a todo custo a tristeza, não se fala sobre ela, como se essa emoção fosse um monstro à espreita, dissociada da vida humana, distante de nosso dia a dia.
É claro que todos queremos viver uma vida alegre, mas é preciso entender que todas as emoções ensinam algo. Aprender a lidar com elas, sejam agradáveis ou desagradáveis, é fundamental para que as pessoas possam se desenvolver de maneira saudável. Em situações de perda, a tristeza ajuda a compreender o que é realmente importante em nossas vidas, pois fortalece os laços afetivos entre os que ficam.
O sofrimento é condição indissociável do ser humano e pode ajudar no desenvolvimento de habilidades como resiliência e autocontrole. É desejável, é normal, é necessário viver o luto pela morte de uma pessoa querida ou chatear-se por conta de um desastre. Apesar de tristes, essas situações nos ajudam a pensar nas relações humanas que queremos construir.
Tragédias de grandes proporções também podem provocar raiva, emoção que está associada à percepção de injustiça. É o que ocorre no caso das vítimas de Brumadinho ou dos meninos do time de base do Flamengo. No entanto, é possível torná-la positiva, se canalizamos esse sentimento para evitar que novos episódios como esses se repitam. É preciso que a raiva combata as causas que a geraram.
O mais importante de tudo é compreender os sentimentos. Quando não racionalizamos a tristeza ou outras emoções desagradáveis, elas podem se transformar em “sombras”, que se refletem nas relações humanas e que desencadeiam até sintomas físicos. Falar sobre a tristeza, elaborando-a internamente, pode ser um passo importante para detectar doenças sérias, como a depressão.
A aprendizagem socioemocional é um instrumento poderoso nessa jornada de autoconhecimento. Precisamos entender que sentir emoções, todas elas, é o que nos torna, essencialmente, humanos.
Artigo de Celso Lopes de Souza
Celso Lopes de Souza é médico psiquiatra, professor e fundador do Programa Semente, metodologia que promove o desenvolvimento da aprendizagem socioemocional em crianças e adolescentes.