Charles Hogg: A arte de cuidar do coração
Em minha primeira visita a Calcutá, eu era abordado todos os dias por duas meninas mendigas que cantavam repetidamente o mantra: “Uma rúpia, uma rúpia”, com um sorriso radiante, acompanhado de um rápido piscar dos olhos. Elas sempre venciam e eu lhes dava uma ou duas rúpias. Havia me tornado uma fonte bem estável de rendimento e assim a cada dia, podia vê-las esperando por mim com o mantra mudado para “Duas rúpias, duas rúpias”.
No final da semana, encontrei uma senhora idosa acompanhando as meninas. Em um inglês mal falado ela me convidou para visitar sua casa. Caminhamos até um edifício quase todo coberto de lixo. Os pais, avós, tios, tias, irmãos, irmãs, primos e mais outros se reuniram para me cumprimentar e me oferecer generosamente comida e bebida. Nesse cenário desesperador da mais profunda miséria, não havia nada… Nada, a não ser amor, e aquele amor era tão rico que parecia ser tudo o que era necessário.
Essas duas meninas, de fato, eram afortunadas. Percebi que as circunstâncias não importavam. Quando o coração é mantido, a vida pode ser boa. No entanto, se o coração está vazio, quebrado ou fechado, nada parece satisfazer. Para compensar um coração vazio, desejamos riqueza, poder ou qualquer outra coisa para preenchê-lo.
Há poucos momentos na vida em que os sentimentos do verdadeiro amor emergem.
Um amigo estava no metrô em Toronto, em pleno inverno, na hora do “rush” e todos estavam tristes, isolados e desconectados uns dos outros, petrificados no frio e silêncio. Uma jovem entrou com um recém-nascido nos braços. A inocência e vulnerabilidade do bebê tocaram a todos. Um novo sentimento preencheu o trem. Todas as faces começaram a brilhar com sorrisos cordiais. Aquilo que é autêntico e puro atrai o amor. O bebê não tinha máscaras, barreiras nem fachadas. Sendo ele mesmo, sua inocência fez
Certa vez, um amigo me disse: “Se lhe fosse dito que você teria apenas alguns meses de vida, em que isso o mudaria?” Gostaria de resolver os remorsos, dizer aos outros o quanto eu os aprecio e o quanto eles significam para mim. Gostaria de abandonar todas as tensões triviais e focalizar o que realmente é importante. Comecei a pensar… Não é assim que eu já deveria estar vivendo?
O que acontece na nossa vida?
Estamos desesperados atrás da experiência do verdadeiro amor que sustenta. Assim, investimos o coração em relacionamentos com grande confiança e sinceridade. Mas a Lei da Vida é mudança. Inevitavelmente, aquilo que amo irá me deixar, por causa de mudanças, conflitos ou morte. Então, novamente invisto o coração e a mesma coisa acontece. Esse processo de perda deixa cicatrizes profundas de medo e insegurança, e coloca grandes barreiras no coração. A placa no meu coração diz: “Pare! Proibido avançar além desse ponto!”
Não quero nada além da experiência de amor, mas criei tantas barreiras para impedi-lo. Mesmo se o amor é recebido, é poluído, dá alento temporário, mas não sustenta verdadeiramente o coração. Algumas vezes, o amor é condicional, como um contrato de negócio, com cláusulas e itens. Tal amor diz, “Eu vou amar você, mas você tem de se comportar da maneira que eu quero, senão o meu amor cessará”.
Ou talvez o amor seja egoísta. Esse amor apenas toma e nunca dá. O coração se sente vazio. Esse amor diz, “Você existe para preencher o meu coração”, e se as expectativas não são preenchidas, há ressentimento, raiva e sentimento de abandono.
Algumas revistas e programas de TV nos oferecem uma imagem romântica do amor – pessoas bonitas se olham encantadas. Essa imagem superficial de amor faz com que a maioria das pessoas se sinta inadequada. Mas, a pesquisa mostra que os sentimentos românticos permanecem apenas por 6 a 8 meses e assim os amores tomam novas dimensões. Para alguns, quando os sentimentos românticos mudam, há o sentimento de que o amor terminou. Então, o jogo moderno de reciclar relacionamentos continua.
Nós também nos tornamos vítimas do amor dependente. Tal amor cria relacionamentos de amor/ódio: amor por causa do apoio, mas ódio e ressentimento pela perda da liberdade. Sente-se sufocado e controlado, mas se esquece que sua própria dependência criou esses sentimentos.
Hoje, essas formas poluídas de amor fizeram das doenças do coração um dos principais problemas de saúde do mundo. Há amor, mas frequentemente sem a qualidade necessária para curar a desmedida e tão evidente doença do coração.
Para se criar um coração saudável são necessários três estágios principais:
check-up completo do coração, cirurgia cardíaca (se necessário) e programa de manutenção para o coração.
1. Check-up do Coração
Tenho um amigo que se orgulha de sua forma física. Corre e joga squash regularmente, embora leve uma vida extremamente ocupada. Um dia, depois de correr, teve uma severa dor no peito. Os exames mostraram que 90% do fluxo sanguíneo não chegavam a algumas partes do coração. Ele ficou chocado. Esta experiência me levou a pensar: Quanto amor chega ao meu coração?
Frequentemente, não percebemos quão pouco fluxo de amor alcança nosso coração e, naturalmente, quanto menos entra, menos sai.
Como posso verificar o fluxo de amor no meu coração?
Os verdadeiros sinais são: contentamento comigo mesmo e com os outros.
O amor puro dissolve o desejo por reconhecimento e respeito dos outros. Substitui a arrogância por humildade. É tão preenchedor que compartilhar com os outros é a resposta natural. Não haverá sentimento de vazio. Então, quão saudável está o meu coração?
2. Cirurgia Cardíaca
O coração necessita de três tipos de amor para se tornar completamente saudável. Dependendo do chek-up, é necessária cirurgia cardíaca. Assim, algumas vezes, isto acontece para restabelecer o fluxo de amor.
Primeiro Procedimento Cirúrgico – A Abertura do Próprio Coração
Todos nós sabemos os ingredientes de um bom relacionamento: respeito, confiança, honestidade, franqueza, atenção, compaixão – e a lista continua. Será que isto descreve o relacionamento comigo mesmo? Como eu me trato? Cuido amorosamente do meu coração ou me coloco para baixo, me agredindo e me subestimando? Esse comportamento autoagressivo parece estar no âmago da dor do coração.
Todos nós queremos nos amar. Por que, às vezes, isso é tão difícil?
Somos educados para amar uma imagem: atraente, inteligente ou bem-sucedida. Estou tentando amar essas barreiras e fachadas que construí ao redor de meu coração? Elas impedem outros de se aproximarem de mim e me fazem sentir desconfortável comigo mesmo!
O primeiro procedimento cirúrgico remove a velha autoimagem de meu corpo, status, beleza, riqueza, e substitui isso pela consciência do eu espiritual.
Primeiramente, começo a me aceitar como sou. Então, quando descubro que meu estado original intrínseco é puro, começo a me curar profundamente, e sentimentos amorosos pelo meu eu autêntico e verdadeiro emergem.
Essa é a história da “Bela Adormecida”. A parte bela e adorável de meu coração estava trancada em um grande castelo escuro, coberto de sofrimentos, dores e tristeza. O príncipe dá o beijo da autoconsciência que me capacita a acordar e amar o meu eu verdadeiro.
Segundo Procedimento Cirúrgico – Abrindo o Coração para o Amor de Deus
O coração se tornou muito frágil e sensível porque sentia que não era digno de amor. Não podia aceitar amor de ninguém, especialmente de Deus, porque não me sentia digno.
Agora descobri o eu autêntico e puro, posso aceitar o amor de Deus. Às vezes, gosto de me sentar em silêncio e me permitir ser amado por Deus. Coloco todos os outros pensamentos de lado. Esse amor é um tônico tão revigorante que transforma um coração fraco em forte, quebrado em inteiro, vazio em preenchido, fechado em aberto.
Esse é o verdadeiro amor que sempre havia procurado, porque, por definição, amor verdadeiro é amor que existe sempre. Esse amor não pode me deixar.
Terceiro Procedimento Cirúrgico – Dar e Aceitar Amor dos Outros
Quando o relacionamento com meu coração é forte e o coração de Deus está perto, posso cuidar dele em qualquer situação. Mantenho meu próprio coração e ajudo a curar o coração dos outros através da minha interação com eles.
No meu kit de manutenção do coração, carrego algumas ferramentas especiais que ajudam a manter meu próprio coração e o coração dos outros. Antes de começar qualquer procedimento de manutenção, preciso decidir que ferramentas serão mais efetivas em cada situação.
São sugeridos alguns minutos de silêncio para discernir claramente qual o procedimento e ferramentas necessárias.
A Ferramenta Desapego
Essa ferramenta é essencial para qualquer kit de manutenção do coração. Para eu me tornar verdadeiramente amoroso, devo ser desapegado.
Isso parece contraditório? Quando sou dependente, sou afetado e influenciado por outros. Qualquer palavra ou expressão facial pode afetar meu humor. Entretanto, se usar a ferramenta do desapego, meu amor e suporte poderão ser constantes, independentemente do humor dos outros.
A Ferramenta Bons Votos
Essa ferramenta é incrivelmente versátil e pode consertar a maioria dos corações. Ela surge da realização de que a base dos relacionamentos positivos é ter bons sentimentos. Essa ferramenta pode consertar o cinismo, desconfiança e abrir corações que estão fechados. Para que a ferramenta seja efetiva, preciso reconhecer as qualidades positivas da outra pessoa e ter o compromisso de manter minha visão naquelas qualidades independentemente das suas flutuações.
A Ferramenta Perdão
Essa ferramenta é extremamente efetiva para limpar o lixo do passado. Pode dissolver velhos sentimentos enferrujados e limpar o ar. Assim que a ferramenta perdão é usada, instantaneamente, alivia a dor do coração e frequentemente o paciente comenta, “Ah, se eu tivesse usado isso antes!” Essa ferramenta funciona melhor nos corações partidos que, simplesmente, não conseguem abandonar os ressentimentos e a raiva.
A Ferramenta Respeito
Essa ferramenta funciona melhor com corações pesados, corações que carregam o peso de muitos erros e falhas e quando simplesmente não conseguem ver nenhuma beleza no próprio coração.
A crença dominante é: não sou digno de amor, e como resultado, não há autorrespeito. Tais corações não esperam que os outros os amem ou gostem deles. A ferramenta respeito reacende o autorrespeito e começa a remover o peso.
A Ferramenta Meditação
Essa é uma ferramenta essencial em qualquer kit de manutenção do coração. Quando o usuário sabe como utilizá-la, torna-se especialista em cuidar do próprio coração.
Essa ferramenta nos mostra como checar regularmente o coração e verificar se o fluxo de entrada e saída de amor verdadeiro está regular. Um usuário experiente com essa ferramenta pode diagnosticar, instantaneamente, se ocorreu um bloqueio em algum lugar e começar a removê-lo.
Meu Programa de Manutenção do Coração
O meu programa contínuo de manutenção do coração necessita de uma dieta saudável e exercícios regulares.
Uma dieta saudável consiste no consumo balanceado de pensamentos e sentimentos positivos e amorosos. Preciso ter cuidado para não consumir pensamentos “gordurosos” de autoapreciação negativa que obstruem o meu fluxo de amor.
Exercícios para o coração consistem em dar amor aos outros. Se fizer esse exercício diariamente, ajudarei a manter o meu coração saudável. Quando tiver aprendido a Arte de Manutenção do Coração, terei descoberto o segredo da essência de uma vida feliz e plena.
Charles Hogg pratica Raja-Yoga há mais de 35 anos; é consultor e coordenador nacional da Organização Brahma Kumaris para a Austrália.