Desmistificando a Doença Falciforme

Quase metade da população nunca ouviu falar nessa condição que é considerada uma das doenças hereditárias mais comuns no Brasil e no mundo

O  dia 27 de outubro é marcado como o Dia Nacional da Luta pelos Direitos das Pessoas com Doença Falciforme no Brasil. Para a  Dra. Marimilia Pita, hematologista pediátrica e fundadora do Projeto Lua Vermelha, a data é uma oportunidade para dar visibilidade à essa condição, com o objetivo de proporcionar um melhor tratamento e qualidade de vida  á estes pacientes.

“Apesar de ser considerada uma das doenças hereditárias mais comuns entre os brasileiros, de acordo com uma pesquisa do Ibope, quase metade da população nunca ouviu falar sobre ela”, diz a médica que é uma das maiores especialistas do país sobre o tema e uma voz respeitada em todo o mundo.

“Por ser uma doença genética de origem africana, os brasileiros ainda têm a falsa ideia de que a condição ocorre apenas em indivíduos da raça negra. Em um país como o nosso, altamente miscigenado, que ainda luta contra o racismo estrutural, uma doença que acredita-se ser exclusiva de negros  é, consequentemente, conectada às classes sociais menos favorecidas  e de menor visibilidade”, destaca a Dra. Marimilia.

O resultado desse preconceito é a falta de apoio às Instituições que atendem esses pacientes, à pesquisa e à preparação dos profissionais da saúde, como também alerta a hematologista. “Não é raro um paciente chegar ao pronto socorro de um hospital com crises de dores muito fortes, reflexo da doença , em busca de ajuda e medicação e, ao invés de acolhimento, encontrar desconfiança, desconforto e até mesmo ser rotulado como um adicto”, alerta Dra. Marimila.

 A  Doença falciforme é uma doença  genética que pode estar presente em qualquer pessoa

O Brasil é um país totalmente miscigenado que, há muito tempo, deixou de registrar o traço falciforme apenas em pessoas negras. Este é o primeiro mito sobre a condição que Dra. Marimilia luta para derrubar e por isso tem dedicado seu trabalho como médica e pesquisadora á esses pacientes e fundou o projeto Lua Vermelha.

Estima-se que no Brasil, temos cerca de 70.000 doentes com Doença Falciforme, com nascimento de  3.500 novos casos /ano , sendo esta condição genética já diagnosticada pelo teste do pézinho. Porém, essas estimativas não são dados precisos e um dos próximos passos do projeto Lua Vermelha é estimular que seja feito esse mapeamento em todo o território nacional, á fim de identificarmos estes doentes , com a criação de políticas públicas mais adequadas ao acompanhamento destes indivíduos.

Afinal, o que é a Doença Falciforme?

A doença falciforme  causa uma alteração nas hemáceas , células sanguíneas , responsáveis por levar oxigênio aos tecidos , através da hemoglobina.  Trata-se de uma doença hereditária , portanto  genética e consequentemente transmitida de pais para filhos.

Em uma pessoa que apresenta essa condição genética, a hemácea  perde o seu formato natural, que deveria se assemelhar a um grão de feijão. Ao invés disso, ela assume uma aparência mais alongada e uma antiga (e negativa) comparação com uma foice foi feita no passado e daí  o nome “falciforme” (forma de foice). Embora a Dra. Marimilia prefira explicar que a forma da hemácea se assemelha á uma lua, a grande lua , a Lua Vermelha ,nome que deu á este projeto.

“Evitar a comparação com algo que carrega um significado mais negativo com algo mais suave já é um primeiro passo para trazer o tema de forma mais leve, menos estigmatizada”, explica.

A hemácea mais alongada (hemácea  falciforme ) , tem dificuldade em atravessar os vasos sanguíneos mais estreitos provocando  obstrução dos mesmos ,um “entupimento  “ que interrompe a irrigação de uma região  e consequentemente, o abastecimento de oxigênio. Algo que pode acontecer em qualquer órgão, tecido ou região do corpo causando crises de dores muito intensas , que na maioria das vezes levam o indivíduo á ser internado , inclusive em Unidades de Terapia Intensiva , pois necessitam  infusão endovenosa e contínua de morfina.

Como doença crônica, a Doença Falciforme pode também evoluir provocando desordens em vários órgãos , causando doenças cardíacas, pulmonares, endócrinas, ortopédicas  e etc .

Um dos pontos de atenção publicados por  uma pesquisa internacional, que incluiu também  pacientes brasileiros , identificou que para mais de 80% desta população, as crises de dor são uma situação muito  limitante ,causando   muitos problemas nas escolas e  no ambiente de trabalho, quando professores e líderes não confiam na necessidade de ausência do estudante/ funcionário, por desconhecimento da doença. O efeito disso , é que as manifestações de transtornos psicológicos e emocionais, como a baixa autoestima, se tornaram uma característica comum desses pacientes, impactando negativamente na evolução da própria doença.

Projeto Lua Vermelha busca um ponto de vista mais otimista

A Ong Lua Vermelha, fundada pela  Dra. Marimilia Pita tem como principal propósito , construir uma nova imagem da Doença Falciforme, começando já na comparação da hemoglobina com uma grande lua. A Instituição faz parte da GASCDO (Aliança Global de Organizações de DF)   da qual é membro fundador. Esta Associação mundial , que reúne várias associações ao redor do mundo ,conta também com o apoio de hematologistas renomados e além disso ,  apoiadores da luta pelos pacientes com Doença Falciforme.

“Nosso objetivo é mudar o ponto de vista de quem já conhece e despertar o interesse de quem nunca ouviu falar dessa condição genética. Nossa estratégia é impactar as pessoas com campanhas curiosas, alegres, modernas e coloridas, com o apoio de celebridades. Mas, muitas vezes, até esse apoio se torna difícil de conseguir devido ao mito de uma doença de “preto e pobre’”, desabafa a Dra.

 

Sobre a Dra. Marimilia Pita

A  Dra. Marimilia Pita é médica hematologista-pediátrica do Hospital Samaritano de São Paulo, fundadora do Comitê de Pediatria da ABHH (Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia), com especialização no St. Jude Children’s Research Hospital (Tennesse/ USA).

Membro fundador da GASCDO ( Global Alliance of SCD Organizations )

Scientific Committee  of GASCDO  ( Co-chair )

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